Minha psiquiatra é muito diferente da terapeuta, porque ela acredita na ciência comprovada , e eu acredito também! Admito, eu tenho fé na ciência.
Só consigo lidar com o que é palpável. Não tenho fé mas acredito que no poder que ela exerce sobre as pessoas. Um dia, quando um paciente entrou em óbito, suas pernas ficaram dobradas. Foi aquela luta, médicos e enfermeiro tentando desdobrar a perna até que chegou a filha, fez uma oração que não ouvimos, e a perna do cara desdobrou sozinha, como se ele estivesse vivo. Aquilo eu vi mesmo. Pode ter sido apenas um espasmo, mas foi um espasmo sinistro!
A doutora Maria pergunta nas consultas sobre os efeitos da medicação que estou tomando. Tomo toda medicação que ela indica, pois eu a admiro como médica.
Meus dias estão cinzas, apesar do sol, apesar do antidepressivo. Durmo mal mesmo com a medicação certa. As vezes vejo o mundo como mera expectadora como se eu não tivesse o poder de mover nem uma pena, como se eu nem estivesse ali. Muitas vezes não estou ali.
Essa semana, estive imersa em lembranças do tempo em que eu comecei a namorar o Alexandre.
Nunca quis namorar com ele. Eu me imaginava acompanhada de um homem admirável, culto, rodeado de livros e sabedoria. Mas eu gostava demais de sexo pra ficar esperando o homem perfeito chegar. Toda sexta eu ia em barzinho que o pessoal da faculdade freqüentava. Ia sozinha, já que não tinha amigos. Nunca me lamentei por não ter amigos. Amigos de faculdade são nossos concorrentes do futuro, e eu sempre fui muito mais inteligente que todos da minha turma.
Uma noite eu estava procurando sexo no bar e encontrei o Alexandre. Foi o primeiro cara que me fez gozar na vida. Ele fazia sexo como uma mulher! Inevitavelmente pensei que estava apaixonada. O Amor é um jogo de interesses: interesse em sexo, em segurança, em respeito e adequação social, em aquisição de bens, até em alcançar o paraíso.
Eu pesava sempre as coisas. Ele entedia 30% de tudo. As situações que envolviam comportamento humano ele entendia 10% do que rolava, sempre. Mas fazia uma massagem deliciosa na minha bunda. De manhã, ele tinha um ritual: tomava banho e se masturbava (mesmo que tivesse transado a noite toda), tomava café puro, e passava duas horas se arrumando. Passava creme corporal, creme pro rosto, creme pro pé, e fazia uma escovinha no topete! Essa escovinha no topete me matava. Gostava de roupa de marca e bem passada. Ele mesmo fazia questão de passar sua roupa com uma água que eu não sei nome, misturada com perfume. Mas nunca me negava sexo, nunca.
O Alexandre passava o final de semana enfiado na minha casa no começo. Eu não gosto.
Com o tempo fui deixando ele sozinho na minha casa, já que ele se recusava a sair. Ele ficava arrumando minhas coisas. Se eu jogasse uma toalha molhada em cima da cama, ele tirava. Queria almoçar sentadinho na mesa. Eu gosto de comer deitada na minha cama e jogar o prato em qualquer lugar. Mas a gente desarrumava o lençol sem frescura.
Quando eu penso nele, mesmo agora que ele ta morto, fico exitada.
Uma vez ele me disse que ia viajar com a mãe, era ano novo. O celular dele ficou 3 dias desligado. Ele não me convidava pras festas em família, talvez tivesse vergonha de mim, sei lá. Eu sei que eu nunca estava presente em nenhuma reunião familiar dele. Parecia que eu nem existia na vida social do Meu namorado. Mas tinha uns dedos mágicos!
Eu tinha muitos problemas de ordem emocional que eu precisava conversar com alguém. Ele ouvia com o olhar vazio.
Um dia ele estava em uma festa com os colegas do golfe e houve um pequeno acidente. Foi ele quem levou a vítima no hospital em que eu trabalhava. Eu atendi o amigo dele, todos os amigos dele estavam lá e ele nem sequer me apresentou. Mas eu adorava fazer sexo oral com ele!
Se ele estivesse vivo hoje eu trocaria 10 anos da minha vida por uma massagem na bunda!
Depois eu o mataria de novo.´
Capítulo 5
Depois que minha mãe morreu, meu pai começou a bater no Arthur.
Tudo que meu irmão fazia estava errado quando meu pai estava em casa.Nossa sorte é que ele mal ficava em casa. Trabalhava muito e tinha muitas mulheres pra se preocupar na rua. Chegava a ficar meses sem aparecer. Os empregados iam embora por falta de pagamento. Eu tinha 10 anos. Aprendi a arrancar o máximo de dinheiro da carteira dele quando ele dormia, pra não deixar meu irmão precisando até de comida. As veses eu pegava folhas de cheque e assinava. Nos comprávamos roupas e sapatos com os cheques.
Depois de um tempo eu anotava no canhoto do talão a quantia que eu tinha gasto.
Não sei porque meu pai implicava com o Arthur. Imagino que é porque ele tinha postura de submissão, os ombros curvados, voz baixa. Também sei que meu pai farejava o medo. Todo ser humano sabe farejar o medo, a miséria de espírito fica estampada no rosto, assim como a miséria material.
O Arthur não era um miserável, ele só era pobre, porque tinha medo. Medo da morte, medo do sangue que corre dentro de nossas veias, medo da realidade cruel do mundo, medo de sofrer fisicamente, porque moralmente já é um grande sofrimento viver com medo. O medo é um fantasma que nunca vai embora, vive a espreita atras da porta, espera o momento propício e se posta ao nosso lado, senta em nosso colo. Nunca nos abandona e toma as rédeas assim que pode. Convivo com meus fantasmas pacificamente, faço questão de vê-los ao meu lado para que eu possa controla-los.
continua...
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