Capítulo 5
Depois que minha mãe morreu, meu pai começou a bater no Arthur.
Tudo que meu irmão fazia estava errado quando meu pai estava em casa. Nossa sorte é que ele mal ficava em casa. Trabalhava muito e tinha muitas mulheres pra se preocupar na rua. Chegava a ficar meses sem aparecer. Os empregados iam embora por falta de pagamento. Eu tinha 10 anos. Aprendi a arrancar o máximo de dinheiro da carteira dele quando ele dormia, pra não deixar meu irmão precisando até de comida. As vezes eu pegava folhas de cheque e assinava. Nós comprávamos roupas e sapatos com os cheques.
Depois de um tempo eu anotava no canhoto do talão a quantia que eu tinha gasto.
Não sei porquê meu pai implicava com o Arthur. Imagino que é porque ele tinha postura de submissão, os ombros curvados, voz baixa. Também sei que meu pai farejava o medo. Todo ser humano sabe farejar o medo, a miséria de espírito fica estampada no rosto, assim como a miséria material.
O Arthur não era um miserável, ele só era pobre, porque tinha medo. Medo da morte, medo do sangue que corre dentro de nossas veias, medo da realidade cruel do mundo, medo de sofrer fisicamente, porque moralmente já é um grande sofrimento viver com medo. O medo é um fantasma que nunca vai embora, vive a espreita atrás da porta, espera o momento propício e se posta ao nosso lado, senta em nosso colo. Nunca nos abandona e toma as rédeas assim que pode. Convivo com meus fantasmas pacificamente, faço questão de vê-los ao meu lado para que eu possa controla-los.
Meu maior medo é ter sentimentos descontrolados de amor romântico, como minha mãe . Matar foi um exemplo de sentimento descontrolado, não de amor. Uma fraqueza
Perfeitamente cabível dentro do mim.
Qualquer abraço prazeroso cabe em meu corpo. Não há alguém no mundo capaz de fazer com que eu sinta saudade. Mal entendo o significado dessa palavra. A pessoa que mais surge de maneira carinhosa e que a presença física me afeta positivamente é meu irmão.
Capítulo 6
Sem pedir licença ao mundo me retirei por um longo período.
Há um buraco na minha percepção da realidade e eu não sei como preenche-lo.
Parece que minha psicóloga fez o curso na revista “Elas”.É óbvio que odeio meu pai e minha mãe e projeto isso no mundo, e aí? E depois?
É claro também que me sinto a melhor em tudo, para compensar o abandono, e que se vi violência na infância a tendência é que eu a reproduza na vida adulta. Mas o que é o certo e o errado? Errado é que me faz sofrer e eu não estou sofrendo porque não sinto culpa, remorso, amor, piedade, ódio. Nada, nada. É errado alguém aprender a se proteger? Parece que essa é ordem natural das coisas. Parece que o mundo espera que eu seja uma flor, que eu cumpra meu papel de mulher delicada e apaixonada que foi designado pela sociedade, religião e família.
Sempre senti o olhar do mundo me queimando e isso me provoca sentimentos diversos e controversos, depende do dia. As vezes uma colega de faculdade pode levar um tapa na cara por sugerir que eu me vista assim ou assado, as vezes nada acontece.
Vejo mulheres desesperadas em atraírem sexualmente , e parece que não tem um único foco, fazem disso um estilo de vida, não tem mais nada no mundo. Esse é o tipo de mulher que vê novela, filmes românticos e sonham com amor apaixonado. Como se ser humano pudesse ser feliz se relacionando com apenas uma pessoa na vida. Mas é esse o comportamento que a sociedade hipócrita exige e que todo mundo finge ter. Elas ficam toda semana até tarde da noite tentando arrumar a cara, o cabelo e o corpo em maquiadores e clínicas de estética só pra algum homem, qualquer um que seja, desejar sexo com elas.
Quando eu ficar velha, quero ser velha mesmo. Teria muita vergonha de tentar atrair macho depois da idade reprodutiva. É patético e biologicamente improvável, já que na natureza a atração para a cópula se destina a reprodução da espécie. As pessoas continuam querendo sexo depois da andropausa e da menopausa por não aceitarem o envelhecimento de seus corpos. E quem dita a regra de ser idoso é ruim é a nossa sociedade e eu não concordo. Assim como a criança e o adolescente até certa idade não estão preparados para o coito, o idoso também não está. Idoso com adolescentes então, como meu pai fazia, é horrivelmente bizarro, uma aberração biológica como cruzar macaco com barata.
Todo mundo mente e trai. A dona de casa feia, obesa que não trepa com o marido há anos porque o marido também não faz questão e provavelmente ta comendo um monte de prostitutas, faz sexo mentalmente com o lindo galã da novela .
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